quinta-feira, 23 de junho de 2011

CONTO - APENAS UMA GAROTA CAP.2


Levantou-se a mente conturbada, agitada, insone em busca de um cigarro, buscava em cada tragada sentido para frases e gestos vazios. Seu corpo forte e inquieto exauria-se aos poucos, machucada por intermináveis buscas que sempre mostravam-se sem sentido.
Percebeu naquele instante que estava prestes a desmoronar, não suportava mais aquela forma de vida, não suportava mais aquele mundo onde se via presa, e percebeu que não haviam reais algemas em seus punhos. Reuniu suas ultimas forças e decidiu recomeçar.
Partiu, nas mãos folhas em branco e uma caneta, nada de lápis ou borracha, nada poderia ser apagado ou reescrito nessa nova história, as palavras deveriam ser mantidas, registradas  em sua forma original.
Sempre escrevera sobre sentimentos que nunca realmente provara: iras que nunca expressara, poesias e sentimentos que jamais vivera, sonhos desgastados, idéias abstratas, planos incompletos que a mantinham presa ao futuro e distantes dos seus dias.
Assim ela partiu, deixou para traz às máscaras, a mentira, a civilidade que a obrigava a se moldar, oprimia e socializando-a destruía dia após dia tudo o que ela era. Deixou para traz todas as esperanças, idéias formadas, pré-conceitos, abdicou dos planos, dos conselhos, das cobranças e de todos os caminhos já traçados para o seu futuro.
Já não desejava ou planejava, apenas sentia o vento batendo em seu rosto, as pedras do calçamento quentes sob seus pés e o sol aquecendo sua pele. Assim, apenas sentindo escrevia, descrevia cada sensação e vivia cada instante.
Agora livre da ansiedade, já não era alvo das frustrações e mágoas que tanto a afetavam não sabia o que a aguardava, mas não se importava, estava livre, pela primeira vez ao se afastar de todas as regras, desejos, esperanças, planos, medos estava livre para sentir, pensar, criar suas idéias e descobrir quem era, quem sempre fora.
Caminhou por dias, primeiro vagando pela cidade observando todas as pessoas tão presas a tudo, cada passo milimetricamente calculado planejado, pré-programado, dormiu em pensões baratas, comeu pouco ou quase nada e observou, viu pela primeira vez a dor estampada em todos os olhos, a angustia e a ansiedade por traz de cada sorriso.
Observando aqueles que cruzavam seu caminho, notou os passos acelerados, os olhos inquietos, o tempo escasso. Percebeu que em momento algum estivera sozinha quando andava perdida, sem reconhecer a si mesma e só agora, longe das amarras que tentavam moldá-la, conseguiu compreender o quão interligada a todos ela sempre estivera.
Caminhou sozinha, como uma espectadora silenciosa, por todas as ruas da cidade, suas folhas antes em branco aos poucos iam sendo preenchidas, cada nova rua, cada novo bairro apresentava-lhe uma emoção, um sentimento, e ela escrevia, assim fazia, pois era essa sua arte, sua forma de expressão, muitos são os que fotografam, desenham, pintam, cantam,  ela observava, sentia, e escrevia.
Em seu caminhar sentiu a fome, e o prazer ao saborear o mais básico prato de comida; sentiu a dor do cansaço e o conforto do sono; sentiu pela primeira vez o sangue circulando por seu corpo e o pulsar de seu coração; notou as variações do ar que entrava por suas narinas a cada respiração e foi capaz de apreciar a liberdade com que cada nova idéia brotava em sua mente. (...)

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